Mais um dia se inicia no canteiro de
obras. Na entrada improvisada com uma guarita e dois portões, um para o acesso
de pedestres e outro para o acesso de veículos, o vigia reclama da alta carga
de trabalho logo pela manhã:
- "Tenho que fazer o crachá de duas
pessoas, abrir o portão para a entrada de carros e ainda controlar o acesso dos
pedestres. O computador está uma porcaria! Preciso de mais uma pessoa!"
Na reunião de DDS (diálogo diário de
segurança), que é feita todos os dias antes dos operários iniciarem os
trabalhos, um funcionário levanta a voz e reclama da comida do dia anterior. A
técnica de segurança responde que a reclamação deve ser direcionada de forma
organizada às pessoas realmente responsáveis. Mas não sei se ela foi
compreendida.
Depois de muitos meses é normal enjoar do
tempero da comida. Na obra são servidas três refeições por dia, o café da
manhã, almoço e o café da tarde. Se tiver turno da noite também é servido o
jantar.
O diálogo de segurança é importante para
garantir que as regras de segurança, saúde e meio ambiente sejam atendidas. Com
isso, diminui a ocorrência de acidentes.
Um pouco depois, o faxineiro, preocupado
com a ecologia, vê o cesto de lixo reciclável e comenta:
- "Na lixeira está escrito bem grande
PLÁSTICO e o camarada me joga uma casca de banana!"
Além do faxineiro citado acima, trabalha
na obra também o faxineiro Maxwell. Ele está tendo aulas com um dos técnicos de
segurança para aprender a ler. Deixou a família no Piauí para trabalhar nas
obras de São Paulo durante o período de entressafra da cana-de-açúcar. Seu
objetivo é voltar para lá novamente na safra. Contou que lhe roubaram 200
"contos" por não saber ler. Disse que o colega foi ao banco depositar
um envelope de dinheiro para sua esposa no caixa eletrônico. Depois recebeu uma
ligação do próprio banco dizendo que o envelope estava em branco. Descoberto a falcatrua
o colega disse que lhe daria 100 "contos", mas o faxineiro deixou
para lá. Disse que iria considerar que gastou com bebedeira. Sendo que ele saía
muito pouco do alojamento para evitar a tentação.
Enquanto uns fazem MBA, buscam experiências
internacionais e estudam vários idiomas para romperem seus limites e alcançarem
o desejado sucesso, outros ainda possuem como limitante o analfabetismo.
Na hora do almoço os trabalhadores lotam
seus pratos e enchem seus copos com um suco colorido e muito doce. Depois
descansam acessando a internet nos seus celulares, jogando truco ou dormindo.
Mais tarde se escuta de dentro do
"contêiner", onde estão instalados os funcionários da área
administrativa, o comprador com uma voz amigável fazer o primeiro contato com
um fornecedor de equipamentos:
- "Boa tarde, tudo bom? Gostaria de
falar com alguém da área comercial. Quero apresentar uma carta convite para
adquirir um produto de vossa empresa".
Já é possível imaginar que após seis meses
sua abordagem será diferente, mais ou menos assim:
- "Esse equipamento tinha que estar
aqui ontem!! Eu já falei que dia 09 não é dia 10! Não vou pagar o aditivo do
contrato..... Você já sabia desse custo..... Tinha que estar incluído....Vou
cobrar multa por atraso....!!
Caminhando pela obra se escuta de longe o
som do rádio de Rômulo. Um operário que trabalha o tempo inteiro escutando
música evangélica no celular. É cego de um olho. Conta que foi de tanto apanhar
do pai quando era criança. Diz que o perdoou, pois ele não sabia o que estava
fazendo.
No final do dia o técnico de segurança faz
a sua última ronda. Ele é como um policial na obra. Fiscaliza se as normas
estão sendo cumpridas. Encontra um grupo de funcionários trabalhando em cima de
um muro sem o cinto de segurança. O diálogo transcorre mais ou menos assim:
- "Desce daí!! Não adianta colocar o
cinto agora que eu vi que você estava sem cinto! Cadê o passaporte? Mostra!
Passaporte vencido? Cadê a permissão de trabalho de vocês? Não tem? Cadê o selo
permitindo o trabalho em altura? Não tem! Parem a atividade. Juntem as coisas
todo mundo e me encontrem na área de convivência! da obra"!
E assim termina mais um dia. Em meio às
estacas, aos blocos, ao concreto e das estruturas metálicas circulam as pessoas
acumulando histórias e experiências de vida.
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